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O que se deve saber sobre as mudanças no Jornalismo

Por: Jay Rosen / Tradução: Andriolli Costa
Publicado no Observatório da Imprensa em 25-11-2014

Professor de jornalismo da New York University (NYU) e criador do blog Press Think, sobre crítica de Mídia, Jay Rosen compilou uma lista completa dos conhecimentos necessários para compreender as grandes tendências que vem transformando a prática jornalística. Este artigo é um guia de leitura para compreensão dos movimentos tectônicos sofridos pelo campo. O texto a seguir foi traduzido do original, com permissão do autor.

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O objetivo de minhas aulas de “Pensamento Digital” é fazer com que os alunos saiam completamente informados sobre as mudanças que estão afetando o jornalismo. Aqui estão os principais tópicos e tendências que espero que eles dominem até o final do curso,

Em cada um destes tópicos, é importante pensar: O que isso significa? Por que é importante? Para onde isto irá nos levar? Adicionei um link ou dois para ajuda-lo a começar, e fico feliz com comentários apontando o que falta nessa lista. Vamos a ela:

  1. O compartilhamento como método de distribuição nas mídias sociais, já que as plataformas sociais, especialmente o Facebook, ocupam um grande espaço na relação com os usuários. (Ver: “O uso da notícia entre plataformas de mídias sociais”)
  1. A mudança para aplicativos e dispositivos móveis, que agora ocorre em uma velocidade impressionante. (Ver “Destravando receita e audiência em dispositivos móveis: novas ideias e boas práticas”)
  1. Novos modelos de negócios para os veículos. Para além do método usual de gerar audiência para vender assinaturas e anúncios, incluindo:

* Captura de dados para anúncios direcionados e produtos personalizados.

* Venda de pesquisas e análises especializadas, seja por assinatura, como faz o GigaOm, ou por conversa, como o Techdirt.

* Eventos, aproveitando o poder convocatório do nome da empresa de notícias. (“Newsonomics do novo evento da Chattanooga Press”) (“A melhor estratégia para gerar renda por meio de eventos”)

* Publicidade nativa e modelo de agência, como fazem o Buzzfeed e a Vice. (Ver: “O BuzzFeed sabe o segredo?”).

* Modelos sem-fins lucrativos, como o ProPublica, Minn Post e Texas Tribune. (Ver: “Encontrando um ponto de apoio – Como iniciativas noticiosas sem fins lucrativos buscam sustentabilidade”)

* Financiamento coletivo (crowdfunding) e assinatura, como fazem Beacon, De Correspondent, The Guardian e Voice of San Diego.

* Faça sozinho. Iniciativas de uma única pessoa também podem funcionar.

  1. Uso do Analytics na produção de notícias. Aprender com o comportamento da audiência, sem se tornar escravo dos números. (Ver: “Preferência da audiência e julgamento editoral: Um estudo sobre a influência da defasagem de tempo nos jornais on-line”)
  1. Gerenciamento de “produto” das empresas de notícias. Integrar as equipes de tecnologia, editorial, empresarial e experiência de usuário. (Ver: ‘O condutor mestre’: Gerenciamento de produto em jornalismo)
  1. Design interativo e melhoria da experiência do usuário por meio de uma ergonomia da notícia. (Ver: “Do jornalismo à experiência do usuário. Um caminho para, talvez, nunca mais retornar”).
  1. Jornalismo de dados em todos os sentidos: coleta de dados, conexão com dados via API, visualização de dados, identificação de narrativas a partir dos dados, criação de banco de dados intuitivos a disposição da consulta do usuário, uso de sensores no trabalho noticioso. (Ver: A arte e a ciência do jornalismo de dados)
  1. Melhorias contínuas nos sistemas de gerenciamento de conteúdo e, com elas, no fluxo de trabalho conforme uma cultura de engenharia se afirma em algumas novas empresas. (Ver: “Um olhar sobre Chorus, a plataforma de publicação da nova geração da Vox Media”) (Ver: Scoop: Um olhar sobre o CMS do New York Times)
  1. Dados estruturados para obter mais valor da produção contínua de notícias (Ver: “Um motivo fundamental do porque sites jornalísticos devem mudar”) (Ver: “Na Circa, não se trata apenas de fragmentar as notícias, mas de adicionar estrutura”)
  1. Personalização dos produtos noticiosos. Por que enviar a todos a mesma reportagem? (“Como os sites noticiosos estão aumentando o engajamento com a personalização” )
  1. Transparência e confiança, conforme o clássico “confie em nós, somos profissionais” dá lugar a “nos mostre seu trabalho”. (“Caos online exige do jornalismo ações radicais para ganhar confiança”)
  1. Conteúdo gerado pelo usuário (Open Journalism), incluindo a verificação de conteúdo gerado por usuário, jornalismo com articulação em rede, financiamento coletivo e mídias sociais como ferramenta de reportagem. As pessoas, anteriormente conhecidas como “audiência”, em uma colaboração frutífera com jornalistas ao longo de todo o arco de produção – da pauta ao trabalho finalizado. (Ver: Jornalismo aberto, do The Guardian.
  1. Jornalismo robô e automatizado. Se as máquinas podem fazer um trabalho melhor e mais barato, os jornalistas humanos devem se mover mais para cima na cadeia de valor. (Ver: “A ciência de dados está levando o jornalismo robô para o mainstream”)
  1. Criação de uma cultura ágil na Redação, de modo que adaptação, colaboração e experimentação não sejam algo tão difícil. (Ver: “Como levar agilidade à redação – o que os jornalistas tem a aprender com desenvolvedores de software”)
  1. O modelo de franquia pessoal de notícias, que se baseia no acompanhamento individual de um jornalista. (Ver: 11 exemplos de recursos e detalhes do modelo de franquias pessoais no jornalismo digital)
  1. Portais verticais e jornalismo de nicho. Fazer um bom trabalho e encontrar mercado para isso, conforme avança o processo de desagregação dos grandes meios generalistas. (Ver: “Essa vida vertical: Os modelos de mídia que admiro”).
  1. O future do jornalismo contextual e explicativo, fornecendo o plano de fundo necessário para compreender as atualizações. (Ver: Um antídoto para a sobrecarga da web)
  1. “Notícias como serviço”. Mais do que um produto que aparece na agenda da empresa de notícias, um serviço que ajude o usuário a fazer algo. (Ver: “Conteúdo x Serviço – O que há, agora, para as notícias?”)
  1. Da escassez à abundância. Os jornalistas costumavam agregar valor publicando novidades. Agora eles podem servir aos usuários resgatando e organizando o melhor material a partir de um fluxo diário de conteúdo barato. Algo, por vezes, chamado de “curadoria”.
  1. Apuração de fatos e controle de rumores. A imprensa constumava lidar com informações falsas simplesmente não a publicando. Agora existe uma obrigação direta em acompanhar e acusar histórias falsas. (Ver a iniciativa Emergent.info) (Assinar o informativo semanal do Fact Checking Project)
  1. “Não estamos no comando”. No passado, empresas de mídia produziam os noticiários e possuíam seus canais de distribuição. Agora novos e importantes atores (empresas com plataformas e governos), situam-se entre usuários e jornalistas. Trabalho jornalístico passa a circular em sites sem controle de editores. Aqueles que publicam notícias precisam estar aonde está o povo, ainda que muitos destes não saibam o que está sendo feito a estas pessoas. O público deve ser alertado quanto a isso. (Ver “Os jornalistas também precisam saber tudo sobre seu ambiente midiático”)

Veja também a resposta comentada a esta lista feita pelo professor de Comunicação de Massas da Louisiana State University, Steve Buttry.

John Pavlik: Entretenimento e informação no envolvimento da audiência

John Pavlik trata dos esforços para promover a interatividade e capturar a atenção do público em direção ao terceiro estágio do jornalismo online

Por: Andriolli Costa / Tradução: Andriolli Costa
Revista IHU On-Line

Em 2001, John Pavlik descreveu o que seriam os três estágios de evolução do jornalismo digital. O primeiro se caracterizaria, basicamente, pela replicação do mesmo conteúdo da edição impressa na versão online. O segundo pelo uso de hiperlinks, da produção de conteúdo diferenciado e de uma interatividade básica com o leitor. O terceiro, por fim, seria aquele jornalismo de conteúdo original, com narrativas não lineares e experiências únicas.

Hoje, 13 anos depois, o pesquisador acredita que ainda vivemos o segundo estágio, com a emergência de conteúdos digital first e novas experiências proporcionadas pelo jornalismo de base de dados. “No entanto, a maior parte do conteúdo atual ainda não está adequadamente otimizada para utilizar as capacidades do ambiente digital em rede.”

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele considera que envolver a audiência é um dos imperativos do jornalismo nos dias de hoje. Dessa forma, o chamado infotenimento — união de informação e entretenimento — direciona boa parte dos esforços da redação. “Para chamar a atenção das pessoas, muitas vezes é necessário produzir notícias agradáveis e, por vezes, divertidas. O problema ocorre quando histórias importantes perdem espaço para notícias de celebridades e fofocas.”

Pesquisador do impacto das novas tecnologias na mídia, Pavlik desenvolveu, ainda nos anos 1990, diversos softwares para comunicação, como o Fire! and Fatal!, um simulador de notícias para DOS; o Native Voices, um diretório de mídia de indígenas americanos; e o Media Technology Chronology, uma base de dados para a evolução de novas tecnologias. Já nos anos 2000, foi cocriador do Documentário Situado, que une dispositivos móveis e realidade aumentada para construir narrativas hiperlocais, revelando as informações conforme o usuário passeia a câmera pelo local do acontecimento.

John V. Pavlik é graduado em Jornalismo e Comunicação de Massas pela University of Wisconsin–Madison, com mestrado e doutorado em Comunicação de Massas pela University of Minnesota. É professor do Departamento de Jornalismo e Estudos de Mídia da Escola de Comunicação e Informação na State University of New Jersey e professor assistente na Columbia Institute for Tele-Information (CITI). Atuou em diversas instituições dos Estados Unidos, tendo sido inclusive pesquisador associado da Northwestern University, no Qatar. Entre suas publicações destaca-se Journalism and new media (New York: Columbia University Press, 2001) e o mais recente, Converging Media (Oxford: University Press, 2012).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais as características do atual momento do jornalismo digital?
John Pavlik –
 Esta é uma boa pergunta, mas também é muito ampla. Poderíamos escrever um livro inteiro sobre este tópico. Para responder de maneira sucinta, eu diria que há três características gerais do jornalismo digital. Primeiramente, o crescimento da interação, com inputs do público na forma de repórteres cidadãos e mídias sociais. Com relação a isso, percebemos que as notícias da era digital são muito rápidas, quase sempre em tempo real, e muitas vezes carecem de apuração.

Em segundo lugar, temos o crescimento da multimídia, com áudio, vídeo e outras formas de conteúdo emergentes — como a realidade aumentada. Em terceiro, é o crescimento do jornalismo orientado por base de dados (data-driven), com Big Data e algoritmos empregados via códigos de computador para identificar e relatar histórias, produzindo visualizações baseadas em dados e semelhantes.

Este jornalismo digital é normalmente desenvolvido por profissionais do fazer jornalístico que sejam éticos e capazes de, cada vez mais, colocar as histórias em um contexto mais amplo. Ainda assim, a incerteza do estado financeiro do jornalismo digital é uma grande preocupação da área.

IHU On-Line – Você diria que vivemos um terceiro estágio do jornalismo digital, como descrito em Journalism and new media? Ou a emergência das redes sociais, do jornalismo semântico, entre outras inovações, dão indícios de um novo estágio?
John Pavlik –
 Eu diria que estamos principalmente vivendo no segundo estágio do jornalismo digital, com a abordagem geral das publicações sendo a produção de conteúdo original voltado primeiramente para o digital (digital first). No entanto, a maior parte do conteúdo atual ainda não está adequadamente otimizada para utilizar as capacidades do ambiente digital em rede.

IHU On-Line – De que formas as narrativas jornalísticas vêm sendo alteradas pelas novas mídias? Quais exemplos você destacaria?
John Pavlik –
 Um dos melhores exemplos de como a narrativa está evoluindo por causa da nova mídia, ou permitida pelo uso inovador das novas mídias, é a narrativa orientada por base de dados (data driven). A seção The Upshot , recentemente lançada pelo The New York Times, é um bom exemplo disso.

IHU On-Line – De que forma os novos meios e modos de contar histórias e a emergência de uma sociedade midiatizada promovem uma outra relação do cidadão com a democracia?
John Pavlik –
 Os cidadãos ao redor do globo não são mais receptores passivos de mídia. Pelo contrário, são participantes ativos e contribuintes de um discurso público animado sobre grandes e pequenos assuntos. E isto se deve muito às mídias sociais e aos dispositivos de mídia móvel.

IHU On-Line – Narrativas como os newsgames ou o documentário sitiado permitem dizer que, em tempos de conectividade, a experiência é mais relevante que a informação?
John Pavlik –
 Newsgames são uma oportunidade cada vez mais interessante para que jornalistas inovadores envolvam a audiência com a notícia por meio de técnicas interativas. A proposta ainda está em fase inicial, mas é muito promissora — especialmente como modo de envolver cidadãos mais jovens e usuários de dispositivos móveis.

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John Pavlik

IHU On-Line – O futuro do jornalismo é o infotenimento?
John Pavlik –
 Isto é inevitável, uma vez que os cidadãos não precisam se envolver com o noticiário. Dessa forma, para chamar a atenção das pessoas, muitas vezes é necessário produzir notícias agradáveis e, por vezes, divertidas. O problema ocorre quando histórias importantes perdem espaço para notícias de celebridades e fofocas. Existe, é claro, um lugar para estas notícias de “veja que cachorrinho bonitinho”, mas isso não deve superar o relato de histórias com implicações importantes para o mundo.

IHU On-Line – De que forma o pensamento de Marshall McLuhan se atualiza neste novo ecossistema midiático?
John Pavlik –
 As ideias de McLuhan são bastante relevantes para o jornalismo digital. Talvez o mais relevante seja sua noção de aldeia global. Hoje, com 5 bilhões de pessoas conectadas via redes de comunicação digital em todo o mundo, as notícias e informações também podem ressonar globalmente — sobretudo por meio das mídias sociais e dispositivos móveis. Veja o caso do #bringbackourgirls , na Nigéria, por exemplo.

IHU On-Line – Em um contexto de aldeia global, como explicar a força emergente de um jornalismo hiperlocal?
John Pavlik –
 Este é um ótimo exemplo do adágio “Pense globalmente, aja localmente”. Usar as redes de mídia para relatar e explorar histórias locais, mas conectadas a temáticas e comunidades mais abrangentes, potencialmente globais, farão com que o jornalismo digital torne-se mais importante e que implique em mais consequências no século XXI.

IHU On-Line – Deseja acrescentar alguma coisa?
John Pavlik –
 Fazer boas perguntas e manter a inovação, mas de maneira ética e por meio do envolvimento do público, com comprometimento com a liberdade de expressão. Este deve ser o mantra do jornalista digital.

Ramón Salaverría: Jornalismo, compartilhamento e credibilidade no contexto pós-industrial

Para Ramón Salaverría, os meios tradicionais têm muito a aprender com os meios nativos digitais, com o desafio de não se descaracterizarem, mantendo seu prestígio informativo

Por: Andriolli Costa / Tradução: Andriolli Costa

Revista IHU On-Line 447

Ramón Salaverría

Em maio deste ano, o Buzzfeed, site especializado em conteúdo viral, vazou um relatório de inovação produzido pelo The New York Times avaliando as perspectivas do jornal frente às novas mídias. O relatório aponta, entre outras informações, que o Times pratica o “melhor jornalismo do mundo”, mas seus concorrentes o superam em conteúdo compartilhável e engajamento. Dados do próprio estudo mostram que, enquanto o site do NYT possui cerca de 30 milhões de visitantes únicos por mês, o próprio Buzzfeed soma mais do que o dobro. Já o Huffington Post, referência entre os chamados meios “nativos digitais”, chega a 100 milhões de acessos ao mês.

Vários são os motivos para a boa performance destes últimos. As notícias são frequentemente estruturadas em um modelo mais informal, privilegiando conteúdo de interesse humano, recorrendo à emoção e à sensibilidade. As chamadas são normalmente superlativas, histórias edificantes que vão “mudar sua vida”, ou com a já clássica clickbait “você não vai acreditar no que esta pessoa fez”. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o pesquisador Ramón Salaverría, referência mundial em jornalismo na internet, apoia a iniciativa do jornal.

“Não significa que o New York Times tenha que se tornar o Buzzfeed, mas que algumas peculiaridades do Buzzfeed podem ser aproveitadas pelo NYT”, defende. Para Salaverría, os meios tradicionais têm muito a aprender com os nativos digitais, especialmente no que diz respeito aos formatos e à relação com a audiência. Afinal, estes são “muito mais ágeis e adaptativos à mudança das formas de acesso e de consumo informativo dos usuários na internet”. Nesta entrevista, o pesquisador trata ainda da mudança do conceito de notícia no ambiente web, fala da importância da credibilidade independente do meio em questão e explora as perspectivas de um “jornalismo líquido” como manifestação do pós-jornalismo.

Ramón Salaverría possui graduação e doutorado em Jornalismo pela Universidade de Navarra – Unav, na Espanha. Atualmente é professor titular da Faculdade de Comunicação da mesma universidade, além de Diretor do Departamento de Projetos Jornalísticos. Um dos maiores especialistas em webjornalismo do mundo, é professor convidado em diversas universidades em todo o mundo. Entre seus livros, destacamos: Periodismo integrado: convergencia de medios y reorganización de redacciones (Barcelona: Editorial Sol 90, 2008), Redacción periodística en Internet (Pamplona: Eunsa, 2005) e Manual de redacción ciberperiodística (Barcelona: Editorial Ariel, 2003).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Você teve contato com o relatório Jornalismo pós-industrial produzido pelo Tow Center, de Columbia? Acredita que as observações feitas no relatório dão conta dos dilemas que o jornalismo vive em nível mundial?
Ramón Salaverría –
 Sim. Penso que é uma boa interpretação para alguns problemas que atualmente afetam o jornalismo internacional. De início, o próprio título do relatório é bem acertado porque, basicamente, aborda uma alteração no processo de produção da informação. Isso é algo que não é considerado em muitas ocasiões, mas neste relatório se coloca de maneira destacada como fator essencial das mudanças em curso. Concordo bastante com esta visão.

O principal não é que os hábitos de consumo estejam mudando ou nem sequer que as próprias tecnologias de produção e de função informativa estejam passando por uma evolução tão rápida. O fundamental é que está mudando todo o processo de apropriação da informação por parte da sociedade contemporânea. Nesse sentido, penso que uma boa maneira de denominar esta nova situação é “jornalismo pós-industrial”, devido aos novos processos de produção e difusão de conteúdos informativos.

IHU On-Line – No relatório de estratégia digital do The New York Times , vazado há algumas semanas, existem apontamentos que indicam a necessidade de buscar a aproximação com a lógica do compartilhamento nas redes sociais. Diversos jornais brasileiros já têm seguido o modelo Buzzfeed  ou Huffington Post  de produção de conteúdo: galeria de GIFs animados, listas e histórias edificantes que vão “mudar sua vida” — especialmente com a chegada das versões em português desses sites . Render-se à estrutura dos blogs e redes sociais é a melhor alternativa para o jornalismo na internet?
Ramón Salaverría – 
No relatório, o New York Times efetivamente coloca estes sites nativos digitais como referências de uma nova forma de consumo de informação que seriam oportunas ao NYT, mas não para que todo o jornal adote esta estrutura e modelo de composição informativa. Na verdade, me parece que a proposta é aproveitar tudo que seja útil e eficiente desses modelos, ao mesmo tempo preservando alguns valores e características de conteúdos que esses meios nativos digitais não tenham. Não significa que o New York Times tenha que se tornar o Buzzfeed, mas que algumas peculiaridades do Buzzfeed podem ser aproveitadas pelo NYT.

Nesse sentido, penso que muitos meios que vêm de uma trajetória ou tradição analógica, e que estão acostumados com um tipo de edição e de relacionamento com a audiência muito determinadas, têm muito a aprender com os meios nativos digitais — os quais são muito mais ágeis e adaptativos à mudança das formas de acesso e de consumo informativo dos usuários na internet. As redes sociais e os meios nativos digitais nos mostram que há formas de apresentar e distribuir a informação que permite multiplicar a influência, o acesso e a importância dessas notícias. Parece-me que o grande desafio, para os meios tradicionais, é tratar de manter seu prestígio informativo e suas características de fonte principal de informação e, ao mesmo tempo, adaptar-se a modelos muito mais apropriados as formas de consumir a informação por parte dos usuários da internet.

Ramon Salaverria

Ramon Salaverria

IHU On-Line – Dentro dessa lógica, como evitar o sensacionalismo, visto que conteúdos com essas características sempre atraíram público e são, portanto, facilmente convertíveis em pageviews e compartilhamentos?
Ramón Salaverría –
 Penso que conteúdo e forma são duas questões distintas. Obviamente que é preciso combiná-las, mas há características formais dos meios nativos digitais que podem ser aproveitadas para fazer um tipo de jornalismo absolutamente fiel às características do conteúdo de máxima qualidade. A questão é saber adaptar-se aos modelos de consumo informativo, às linguagens, aos ritmos, aos dispositivos que estão demandando os usuários da informação nas redes digitais, mas colocando essas características a serviço de uma informação compreendida como de absoluta qualidade. Nesse sentido, penso que pode haver uma informação que apele ao interesse das pessoas sem necessariamente cair em um jornalismo sensacionalista.

IHU On-Line – Ainda que o resultado para fins de compartilhamento seja alto, por outro lado há ainda muitas respostas negativas de usuários que simplesmente não reconhecem o que está sendo publicado como notícia. Se o leitor não reconhece como tal, ainda é notícia?
Ramón Salaverría –
 Penso que algo que está sendo revisto e revisitado é o próprio conceito de notícia. No âmbito do jornalismo, o termo notícia se refere, classicamente, a dois sentidos: ao acontecimento informativo, como em “ocorreu uma notícia”, e ao relato informativo, o gênero jornalístico, a notícia que se escreve sobre determinado acontecimento. Do meu ponto de vista, essas duas concepções de notícia estão sendo revisitadas no jornalismo contemporâneo.

Por um lado, estamos assistindo a uma revisão de conceito de acontecimento informativo, porque as novas coordenadas temporais e espaciais que aportam na internet fazem com que esse conceito de informação seja modificado. Vemos isso claramente, por exemplo, nas redes sociais. Hoje, para pequenos grupos de amigos, um acontecimento ocorrido nessa esfera limitada será notícia. Uma notícia reduzida a um grupo limitado de pessoas com algum tipo de vínculo entre si. Desse ponto de vista, essas pessoas atuam diante deste acontecimento noticioso como atuariam diante de notícias tradicionais.

É como no caso do nascimento de um bebê; há toda uma série de pessoas — familiares, conhecidos, amigos — que, diante desta notícia, atuam de determinada maneira e utilizam os meios digitais para informar-se e responder a ela. Por outro lado, da mesma maneira que o conceito de notícia pode ser reduzido a um nível menor, também podem ser expandido a um nível macro. Os usuários de internet estão acostumados a conviver em um contexto internacional, onde não há barreiras espaciais. Portanto, o que acontece em um país muito distante pode ser bastante relevante para mim — caso eu esteja interessado.

O conceito de acontecimento noticioso experimentou uma amplificação no âmbito da internet, mas ao mesmo tempo se produz uma reconfiguração do conceito de notícia como relato, como gênero jornalístico. A notícia tradicional, dos meios impressos, é baseada na lógica da pirâmide invertida, com características formais, com um tipo de tamanho, de titulação, etc. Mas no âmbito da internet o relato noticioso se multiplica. E como se multiplica? Por meio da hipertextualidade; da multimidialidade — isto é, a possibilidade de combinar elementos textuais, gráficos e sonoros; e da interatividade — a possibilidade de que o público intervenha e contribua com seus próprios aportes informativos. Portanto, efetivamente, acredito que a notícia no âmbito da internet está se reconfigurando nesse duplo sentido.

IHU On-Line – O maior capital do jornalismo é a credibilidade? No jornalismo pós-industrial também seria?
Ramón Salaverría – 
Certamente o que garante a um meio de comunicação, ou mesmo a um usuário na rede, a capacidade de atrair o interesse e a confiança por parte dos públicos é a credibilidade. A credibilidade informativa é algo muito difícil de construir, que necessita grandes esforços e tempo para tal, mas, curiosamente, é algo que se pode romper muito rapidamente. Quando alguém comete algum tipo de deslize, de erro na hora de difundir a informação, pode romper rapidamente com toda a credibilidade que custou meses e anos para construir. Penso que hoje em dia o valor fundamental para que um meio digital alcance a reputação e o apoio por parte do público ainda é o fator da credibilidade.

IHU On-Line – Em época de globalização, o jornalismo passa a compartilhar mais do que nunca características transnacionais. No entanto, a conectividade e a articulação em rede permite o surgimento de diversas iniciativas independentes de mídia, que investem na produção de conteúdos hiperlocais, dando voz a comunidades e grupos sociais com uma proximidade que o jornalismo dificilmente conseguiria. Como estes dois polos tensionam um ao outro?
Ramón Salaverría –
 A rede possui várias características e uma delas é efetivamente a ruptura dos limites espaço-temporais. Quanto ao tempo, apesar de se dizer que a internet é o espaço do instantâneo, ela também é a plataforma onde podemos recuperar conteúdos mais antigos, então ela é enormemente elástica do ponto de vista temporal. Ocorre o mesmo no caso dos limites espaciais: no âmbito da rede, podemos acessar os conteúdos geograficamente mais próximos e os conteúdos geograficamente mais distantes sem nenhum tipo de diferença. O que acontece na rede é a criação de uma série de comunidades cujo denominador comum já não é geográfico, mas temático e, em outros casos, linguístico. Uma vez conseguida a condição linguística, isto é, que os membros de um determinado tipo de audiência sejam capazes de entender os conteúdos distribuídos neste idioma, o único limite é de caráter temático; é ter interesse nesse tipo de conteúdo.

Isto possibilitou, por uma parte, o surgimento de meios hiperlocais — pois podemos criar uma audiência muito próxima não apenas do ponto de vista geográfico, mas que tenham interesse no conteúdo daquele local mesmo que não estejam fisicamente presentes. Deste ponto de vista, se multiplicam as possibilidades de composição informativa, mas também os desafios para os editores desse tipo de conteúdo que devem saber se situar diante destas audiências cada vez mais diversas.

IHU On-Line – Alguns pesquisadores falam de um “jornalismo líquido”. Como você vislumbra esta ideia? Seria este que representaria um emergente pós-jornalismo?
Ramón Salaverría – 
O termo jornalismo líquido tem a ver, fundamentalmente, com a questão temporal. Quer dizer, o conceito está associado ao de fechamento contínuo, de que não há um trabalho cíclico, mas que o conteúdo jornalístico está sendo atualizado constantemente. Do meu ponto de vista, esta visão do jornalismo líquido é uma visão reduzida, limitada da verdadeira dimensão desse conceito.

Uma das facetas sobre as quais incide o jornalismo líquido é o processo de difusão informativa que, efetivamente, pode vir a ser um tipo de produção informativa temporalmente informativa. Mas ele deveria ser entendido em outros âmbitos, como, por exemplo, o de multiplataformas. É o fato de que o jornalismo pode ser acessível por dispositivos distintos ao mesmo tempo, fazendo com que o conteúdo seja líquido entre todas as plataformas.

Liquidez dos produtos
Também penso ser oportuno interpretar a liquidez do jornalismo do ponto de vista das formas de produção informativas. Até agora, os padrões de produção de conteúdo jornalístico eram muito determinados. Havia uma série de esquemas no acesso, na elaboração e na distribuição dos conteúdos jornalísticos. Agora passamos a estruturas onde encontramos, por exemplo, redações descentralizadas, conectadas por meio da tecnologia — ao invés de uma disposição física — com modelos de teletrabalho por parte dos jornalistas.

Parece-me que todos estes elementos e mais alguns outros compõem o verdadeiro conceito de jornalismo líquido. Mas, atualmente, quando se fala deste conceito, entende-se de uma maneira limitada como uma questão restrita ao ciclo editorial, e penso que esta é uma visão um pouco reducionista.

IHU On-Line – Em entrevistas, você já defendeu a circulação de jornais impressos apenas três dias na semana — especialmente sexta, sábado e domingo. No entanto, em termos de análise e reportagem em profundidade, as revistas semanais também têm caído constantemente de circulação. Mudar o paradigma de publicação não seria o início do fim?
Ramón Salaverría –
 Sou muito pouco partidário da palavra “fim” em jornalismo. Se existe algo que a história do jornalismo nos ensina é que esta é uma profissão cíclica, em que aspectos que parecem perder a vigência, em condições distintas, alcançam uma nova vida, um novo desenvolvimento. Desse ponto de vista, penso que a informação da internet e, muito particularmente, as publicações diárias têm, efetivamente, um novo cenário informativo e um novo cenário editorial.

Vejamos alguns exemplos: Nos Estados Unidos existem periódicos que anteriormente eram editados sete dias por semana, mas que hoje possuem edições distintas. É o caso do Times Picayune , de New Orleans, que, após 175 anos, hoje circula quatro dias em versão impressa e três  dias em versão digital. Já em Lisboa, por exemplo, há cerca de um mês o semanário Expresso lançou uma edição diária  e vespertina para tablets, chamada Expresso Diário; temos então uma revista impressa semanal que passa a ter uma edição diária digital. Vemos como as duas linhas de evolução tendem a se sobrepor, o que permite pensar uma adaptação dos ciclos editoriais para os hábitos de consumo do público.

Isso quer dizer que os jornais diários impressos vão desaparecer? Eu, particularmente, não acredito nisso. A Associação Mundial de Periódicos (World Association of Newspapers and News Publishers), em seu relatório World Press Trends, aponta que ainda há um aumento da circulação dos jornais em territórios como a Ásia e a América Latina, enquanto na América do Norte e na Europa Ocidental estão caindo. Penso ser mais provável que vejamos essa diminuição, mas não o desaparecimento, dos diários impressos, e o fortalecimento dessas novas formas editoriais em que se compatibilize o impresso com o digital.

C. W. Anderson: Jornalismo Pós-Industrial – Crises permanentes, turbulências constantes

Para C. W. Anderson, a relação entre imprensa, tecnologia disruptiva e novas formas de participação social fará com que nos acostumemos a um mundo onde a indústria de notícias seja mais fraca e sempre envolta em constante turbulência

Por: Andriolli Costa / Tradução: Andriolli Costa

Revista IHU On-Line 447

C. W. Anderson

Jornalismo pós-industrial: adaptando-se ao presente. Este é o título do relatório, “parte pesquisa e parte manifesto”, publicado pelo Tow Center da Universidade de Columbia em 2012. Desde as primeiras páginas, o documento já afirma que aquela não era uma tentativa de especular o jornalismo do futuro ou de salvar a indústria de notícias. Primeiramente porque “o futuro já havia chegado”. E em segundo lugar porque não havia mais uma “indústria de notícias”. Afinal, com a notícia escapando à centralidade das antigas e consolidadas organizações jornalísticas, pensar o jornalismo dentro dos limites aos quais sempre esteve reservado torna-se hoje insuficiente.

Em um estudo bastante completo sobre práticas profissionais, modos de produção e o papel social da imprensa, os autores C. W. Anderson, Clay Shirky e Emily Bell traçam um diagnóstico do jornalismo neste novo e complexo ecossistema midiático. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Anderson afirma que desde a publicação do relatório o campo jornalístico passou por várias mudanças. No entanto, o argumento central “de que as organizações noticiosas estão com problemas para mudar suas práticas profissionais de modo a acomodar a realidade digital, e que diversas novas organizações noticiosas estão desestruturadas, permanece amplamente verdadeiro”.

O pesquisador aborda ainda sua visão sobre a crise no jornalismo que, para ele, está relacionada a uma crise geral das instituições, como o governo, a igreja ou o exército. Defende ainda que os desafios do jornalismo estão “tão relacionados aos processos organizacionais pelos quais as empresas jornalísticas são conduzidas quanto pelo modelo de negócios ou a tecnologia.” Neste contexto, Anderson afirma não enxergar uma resolução para o tensionamento entre novas e velhas mídias. “É muito mais provável que nós, como sociedade, simplesmente nos ‘acostumemos’ com um mundo onde a indústria de notícias seja mais fraca e sempre envolta em uma constante turbulência.”

C. W. Anderson é graduado em Ciência Política pela Indiana University, onde estudou a circulação de notícias na Rússia pós-soviética. Concluiu, na Columbia University, seu mestrado e doutorado em Comunicação. Anderson é um dos pioneiros na pesquisa e prática do jornalismo cidadão, dirigiu entre 2001 e 2008 o NYC Independent Media Center, uma das primeiras experiências de jornalismo “do-it-yourself”. Atualmente é professor do Departamento de Cultura de Mídia na City University of New York – CUNY. É autor de Rebuilding the News: Metropolitan Journalism in the Digital Age (Filadélfia: Temple University Press, 2013).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que consiste pensar um jornalismo pós-industrial? Por que retomar o termo usado por Doc Searls  em 2001?
C. W. Anderson – 
Ao nomear o relatório de “Jornalismo pós-industrial”, quisemos algo especialmente claro. Boa parte das discussões mais frequentes a respeito do futuro da indústria de notícias tende a falar ou sobre uma crise econômica (“os jornais precisam encontrar seu modelo de negócios”) ou sobre uma crise tecnológica (“um tsunami de tecnologia digital está varrendo a indústria de notícias e não há nada que possamos fazer sobre isso”). Já nós, baseados em muita pesquisa, pensamos que os problemas no mundo do jornalismo estão tão relacionados aos processos organizacionais pelos quais as empresas jornalísticas são conduzidas quanto pelo modelo de negócios ou a tecnologia. Dessa forma, quisemos escolher o título “pós-industrial”, para chamar atenção para este aspecto do relatório.

IHU On-Line – De onde surgiu a inquietação para a produção do relatório? O cenário midiático mudou desde a sua publicação?
C. W. Anderson – 
O novo centro de pesquisas da Universidade de Columbia, o Tow Center, quis celebrar seu lançamento encomendando uma série de novos artigos para analisar as mudanças na indústria de notícias. Publicou-se, então, uma série deles: The Reconstruction of American Journalism , por Len Downie  e Michael Schudson ; The Story So Far: What We Know About the Business of Digital Journalism , por Bill Grueskin , Ava Seave  e Lucas Graves ; e, por fim, nosso relatório.

Acredito que várias coisas específicas mudaram no jornalismo desde que nosso relatório foi publicado, mas penso que os argumentos gerais — de que as organizações noticiosas estão com problemas para mudar suas práticas profissionais de modo a acomodar a realidade digital e que diversas novas organizações noticiosas estão desestruturadas — permanecem amplamente verdadeiros. A maior diferença que eu apontaria é o fato de que há algum dinheiro do Vale do Silício sendo derramado no ecossistema noticioso. Isso pode dar às novas organizações um grande impulso e pode ajudá-las a se institucionalizar mais rapidamente.

IHU On-Line – O termo “jornalismo pós-industrial” descreve a atualmente conturbada relação entre imprensa, tecnologia disruptiva e novas formas de participação social. Mas como você vislumbra a emergência de um possível “pós-jornalismo”, em que estas relações se resolvam?
C. W. Anderson 
– Na verdade eu não tenho certeza se estas tensões um dia serão resolvidas. É muito mais provável que nós, como sociedade, simplesmente nos “acostumemos” com um mundo onde a indústria de notícias seja mais fraca e sempre envolta em uma constante turbulência.

IHU On-Line – Tendo em vista a discussão de Philip Meyer  – Os jornais podem desaparecer? (São Paulo: Contexto, 2007), de que maneira os modelos de negócio tradicionais do jornalismo desgastaram a credibilidade dos jornais e quais novos modelos surgem como alternativas à recuperação da credibilidade?
C. W. Anderson – 
Concordo com Philip Meyer que os modelos de negócios tradicionais do jornalismo são (parcialmente) responsáveis pelo declínio da credibilidade da imprensa, e penso que é possível que novos modelos possam ajudar a recuperá-la. Mas também é possível que novos modelos tornem as publicações e organizações noticiosas ainda mais confiáveis do que antes. Com tudo isso dito, penso que o declínio da confiança dos americanos no jornalismo é, na verdade, apenas parte de um declínio geral da confiança dos americanos em diversas instituições anteriormente autoritárias: o governo, os militares, as empresas, a igreja e assim por diante.

IHU On-Line – Existe uma crise do jornalismo? Ou uma crise das organizações jornalísticas?
C. W. Anderson – 
Ambas, acredito. Eu tendo a discordar com o chavão de que existe uma crise das organizações, mas não do jornalismo. Penso que, mesmo agora, as organizações noticiosas tradicionais produzem a maior parte do jornalismo — especialmente nas cidades dos Estados Unidos — e, dessa forma, qualquer crise nas organizações jornalísticas inevitavelmente afetará o modo como o jornalismo é produzido.

Rebuilding the News – Metropolitan Journalism in the Digital Age

IHU On-Line – Em Rebuilding the News, você questiona a autoimagem dos jornalistas, que se enxergam como referências informativas definitivas, que reportam em nome de um público massivo, o que impediria o diálogo comunicacional. No entanto, critérios como audiência e linguagem são insuficientes para distinguir o jornalismo da cobertura feita por blogs ou comunicadores não profissionais. O que distingue (ou deveria distinguir) o jornalismo pós-industrial dessas demais produções de conteúdo?
C. W. Anderson – 
Penso que, no final, o ato de fazer reportagens originais alçadas a um nível que pessoas normais podem entender, e que seja relevante para elas, permanece como aquilo que deve distinguir jornalismo de outras formas de comunicação, seja a comunicação digital ou alguma outra.

IHU On-Line – Ao pensar o jornalismo semântico, muitos se perguntam se um algoritmo pode fazer uma notícia de maneira mais eficiente que um repórter humano. Não seria mais adequado pensar em quantas vezes não permitimos que o próprio fazer jornalístico se robotize, nos deixando levar pela técnica, pelo declaratório ou pelo senso comum, sem a devida introjeção e reflexão da experiência?
C. W. Anderson –
 Penso que esta é uma ótima pergunta. Não é mais importante tornar os jornalistas mais humanos do que tornar o jornalismo mais robótico? Concordo com este sentimento de todo o coração. O problema, claro, é que o jornalismo localiza-se estranhamente entre o “trabalho industrial” e a “arte”. Em outras palavras: devido aos deadlines de produção e outras noções do que o jornalismo deveria ser, algumas pessoas o encaram como algo que um computador pudesse ou devesse fazer. E a velocidade da internet só tornou as coisas ainda piores. Ainda assim, eu concordo com você. Cabe a todos nós, que atuamos como jornalistas ou que ensinamos jornalistas a manter o aspecto “humano” do jornalismo em mente.

IHU On-Line – É possível entender que a alternativa para o futuro do jornalismo seria promover um retorno à grande reportagem e à apuração cautelosa em detrimento da cobertura em tempo real? Ou estas também já não são mais soluções que dão conta da complexidade do ecossistema midiático atual?
C. W. Anderson –
 Acredito que sim, mas penso que devemos ter em mente a existência de diferentes camadas em cada história noticiada, e que algumas coberturas em “tempo real” inevitavelmente vão incorrer em erros. As organizações jornalísticas sempre tentarão ser tão rápidas quanto podem ser, e o que precisamos fazer é educar o público sobre como o jornalismo funciona e por que a primeira publicação de uma notícia nem sempre será a mais precisa.